Não é novidade afirmar que a boa-fé deve ser base de toda e qualquer relação contratual do cotidiano de uma sociedade, uma vez que se trata de princípio da mais alta relevância para o equilíbrio entre as partes envolvidas. Não se confunde, frise-se, a boa-fé objetiva com a boa-fé subjetiva, sendo esta relacionada ao campo das intenções, do estado psicológico do agente, do “agir acreditando estar agindo corretamente”, enquanto aquela consiste em uma série de deveres de conduta dos contratantes para que se atinja o objetivo do negócio jurídico pactuado, sempre dentro de parâmetros de honestidade, lealdade, honradez e probidade, devendo tais obrigações perdurarem antes, durante e depois da relação contratual.
Na esteira de tão importante princípio, que não é mera recomendação de conduta, mas cláusula geral a ser observada sem ressalvas no campo jurídico, é importante analisarmos a proibição do comportamento contraditório no direito contratual, uma vez que tal instituto, consagrado no brocardo latino “venire contra factum proprium” e cada vez mais presente em nosso ordenamento jurídico, servirá para resolver uma gama de casos concretos nos quais a conduta, por si só, do agente não é suficiente para a análise da questão.
De grande importância para o Direito Contratual, tal princípio pode ser entendido como aquele que proíbe a adoção por uma parte de um comportamento diferente daquele adotado previamente, frustrando a legítima expectativa da outra parte, geralmente atraída pelo comportamento inicial apresentado, sendo tal princípio o guardião da confiança e da lealdade na relação jurídica celebrada.
Não se protege com o instituto em questão a coerência no comportamento, mas sim os reflexos que a incoerência no agir podem trazer às relações jurídicas daquele que atua contraditoriamente a um comportamento prévio. Se a conduta contraditória não causa efeitos em alguém com quem se mantenha relação jurídica, não há que se falar em vedação a tal comportamento. Isso porque a proibição ao comportamento contraditório deriva da boa-fé objetiva, de modo que deve ser protegida a confiança que a parte inspira na outra com determinado comportamento, sendo certo que a quebra dessa confiança é o que gera a possibilidade de questionamento do negócio jurídico.
Vale destacar, ainda, que ambas as condutas devem ser lícitas vez que, em havendo alguma conduta ilícita, seja a inicialmente apresentada ou a contraditória, o instituto a ser observado não será o “venire contra factum proprium”, mas, juridicamente haverá a possibilidade de se reclamar as sanções previstas em lei.
Não se discute que a finalidade principal do instituto é evitar que o comportamento contraditório aqui tratado ocorra, ou, ainda, que seus efeitos sejam interrompidos com a maior brevidade possível. Assim, ao primeiro indício de cometimento de ato contrário ao comportamento anterior pela outra parte, a parte que potencialmente será lesada caso a conduta se confirme, poderá adotar as medidas cabíveis, até mesmo em tutela de urgência. Em outra hipótese, caso a conduta já tenha ocorrido, há a possibilidade de desfazimento desta também pela via judicial. Entretanto, caso as duas primeiras hipóteses sejam descartadas por impossibilidade, há a terceira maneira de se resolver eventual demanda, qual seja, a indenização à parte lesada pela que adotou a conduta contraditória.
Para um entendimento mais preciso da proibição aqui tratada, trazemos o exemplo de uma figura pública que é contratada pelo governo para estrelar uma campanha publicitária na qual se posiciona radicalmente contra o cigarro apontando seus malefícios, que posteriormente aparece em um estádio de futebol fumando alguns cigarros, é filmado e tem os vídeos divulgados em uma rede social. Note-se que a segunda conduta, apesar de lícita, apresenta-se totalmente contraditória com relação à expectativa criada pela figura pública contratada para a campanha pelo governo, o que configura, sem sombra de dúvida um comportamento proibido naquela relação contratual.
Por fim, destaca-se que o “nemo potest venire contra factum proprium” aqui abordado, apesar de ter sua maior aplicabilidade aos estudos do direito contratual e de não estar expressamente positivado na legislação brasileira, vem sendo amplamente trazido à baila em outros ramos do direito, como o direito processual, tamanha sua importância para a salvaguarda do princípio fundamental da boa-fé objetiva.
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